7 de jun. de 2009

O Portador



Ainda me lembro daquele dia.
Era uma manhã de céu azul, sol de verão e cheiro de aventura.
O carro trouxe no porta-malas a esperada encomenda, confortavelmente embalada em uma enorme caixa. Era minha primeira bicicleta: uma caloi 80, feminina, vermelha e indomável.
O portador era confiável, altivo, inteligente, e foi quem desnudou, conferiu e encaixou peça a peça.
Em poucos minutos, lá estava ela... imponente, inteira... me convidando a um duelo irresistível, assustador e imediato.
Nos observamos por algum tempo e, naqueles segundos, antes mesmo do primeiro toque, éramos “caça e caçador”, definindo qual papel caberia a cada uma de nós.
Lembro-me que o local escolhido para o confronto era um morro, encarpetado por areia e pedregulhos, que remetia o coração à batidas ainda mais descompassadas.
Havia uma platéia impaciente na soleira da pequena “casa de vó”, esperando apreensiva pelo duelo.
Subi até o ponto mais alto do morro, empurrando minha oponente, e tentando imaginar como seriam os segundos da descida.
Respirei fundo, sentei-me sobre ela e me entreguei ao meu destino. Transformado, naquele instante, numa luta envolta a medo, intensidade, prazer e lágrimas.
Foi a primeira vez que senti, na carne e na alma, que crescer dói, sangra... e que a mistura daqueles sentimentos me daria a fórmula perfeita para me equilibrar sobre o desconhecido.
Me entregar, lutar, sangrar, crescer, vencer... foi exatamente o que aquele portador, a quem eu chamava de pai, me ensinou naquele dia, quando me entregou a encomenda e disse: “trouxe um presente para você, menina!”
E a menina não era mais a mesma, depois daquele presente pra vida inteira.
Lucianne Gomes Mariano.
Academia Iunense de Letras.

(O portador era Djalma Luciano da Silva, meu saudoso pai, falecido em 09/09/1988. Atualmente a caloi 80 está restaurada, vestida de rosa, sob a guarda de minhas filhas, duelando, na 2ª geração.)